Desde muito cedo, impressionado pelo alcance que se me afigurava
vir a ter em psicopatologia a psicologia da forma, li alguns autores
da escola de Berlim, creio que inspirado nos primorosos estudos de Newton de
MACEDO, e publiquei em 1948 um trabalho, de colaboração com o
malogrado amigo Waldemar Brutt PACHECO, intitulado: "Ensaio da teoria da
forma em psicopatologia: depressão do climatério, anomalias sexuais
e histeria". Este trabalho apareceu muito depois dos estudos de A. GELB
e K. GOLDSTEIN sobre afasias, que eu nunca li. Muito mais recentes são
os afamados estudos de K. CONRAD, que ocuparam os estudiosos da psiquiatria
em Portugal - designadamente Fernardes da FONSECA - e a conhecida psicopatologia
de K. W. BASH.
Não sei comentar CONRAD, que era um fino e engenhoso psicopatologista,
cedo arrebatado, à vida. BASH fez um primoroso livro didáctico,
mas não tirou o melhor partido da psicologia da forma nem da psicologia
analítica de C. G. JUNG, onde buscou apoio doutrinário.
No C. G. Jung Institut, de Zurique, a psicologia da forma (Gestalttheorie,
Gestaltpsychologie, Gestaltanalyse) não foi votada ao ostracismo. Sabemos,
porém, através do recente livro de Hans-Jürgen
WALTER, "Gestalttheorie
und Psychotherapie", que o C. G. Jung Institut, de Estugarda, e particularmente
atento às leis da forma.
Algumas psicoterapias, como a psicologia analítica, psicodrama, terapêutica
rogeriana e "Gestalt"-terapia de PERLS, alinham pela psicologia da
forma, segundo a opinião de WALTER.
Os livros "Der Gestaltkreis" e "Beziehung und Gestalt",
da autoria, respectivamente, de V. von WEIZSÄCKER e D. WYSS, são
dois monumentos, se os considerarmos no contexto total da obra de cada um dos
autores, onde as leis da forma ascendem, pelas coordenadas da percepção
e condicionalismos varios, a finas psicopatologias e a systemas antropológicos
coesos e abertos.
Algo se dirá ainde sobre D. WYSS.
H.-J. WALTER, que muito prestigia METZGER, informa-nos como este autor destrinça
na psicologia da forma: método doutrinário, fenomenologia, teoria
dinâmica e inserção psicofísica (na base do isomorfismo).
As leis da boa-forma - proximidade, igualdade, fechamento, sorte comum,
experiência, etc. -, tanto quanto a reversibilidade fundo-forma, a expressividade,
o isomorfismo e os mais (ver obra cit. de D. KATZ), deverão ser rneditadas
para quem se queira abeirar da psicologia e da psicopatologia e, na situação
presente, nos queira seguir na apresentação dos 12 preceitos
a atender em psicoterapia submissa aos principios da Gestalt, segundo
WALTER, os quais nós respeitamos integralmente na Comunicação.
1 - Respeitar a forma, abrindo facilidades a que a natureza de
cada um se realize, haja em vista o respeito educacional e relacional que nos
deve merecer o tipo psicólogico da pessoa.
Não raro muitos destes males estão na familia, onde, por exemplo,
abusivamente se impõe fazer evoluir uma criança introvertida na
linha da extroversão, ou uma criança sensorial na linha do pensamento
puro.
2 - Modelar as forças internas sem as modificar muito,
embora estimulando-as, encaminhando-as e rnoderando-as. A sentença é:
não empurres o rio, ele corre por si mesmo. O terapeuta tem de renunciar
à curiosidade, o educador tem de aceitar a distimia do educando.
3 - A intervenção tem tempos de validade útil.
Interna-se um alcoólico no momento crítico em que ele supõe
que a vida Ihe foge, esclarece-se o adolescente com validade quando a crise
o desconserta. Temos de nos colocar "onde o outro está";
bater o ferro quando está em brasa.
4 - A rapidez na acção tem medidas próprias:
no crescimento, na maturação, na aprendizagem, etc. É o
caso do negro que viajou a primeira vez de automóvel e, decorridos dois
quilómetros, quis parar e sentar-se na beira da estrada para dar tempo
a que a alma chegasse.
5 - Há que suportar caminhos mais longos do que aqueles
que rectilineamente parecem levar-nos a resolução ou conquista
do alvo desejado. A criança em evolução e um encaminhamento
psicoterapêutico são disso testemunhos flagrantes, com seus retrocessos,
paragens e florações aliciantes sem concretismo.
6 - Aptidão de permuta entre orientador e orientado, alternância
de cada um deles nas posições de sujeito e objecto (conforme os
princípios psicoterápicos da caracterologia de F. KÜNKEL);
são as situações do Top-dog e Under-dog (segundo PERLS)
que se alternam.
7 - Modéstia no carácter relacional dos factores
causais, sabendo nós que uma causa pode originar muitas maneiras de acontecer
e uma maneira de acontecer pode provir de causas muito diversas. Quanto mais
recuada é uma "causa" maior é o Ieque dos efeitos a
presumir. Tarmbém para um dado efeito, seja a frigidez ou a anorexia
por exemplo, quanto mais se buscam causas no passado longinquo, mais elas se
multiplicam e menores são as probabilidades de acertar. Daí o
vício dalgumas doutrinas mono ou oligotemátivas que se aliciam
com as buscas no passado longínquo.
8 - Concretismo dos factos actuantes. Temos que objectivar, por
exemplo: para que quer dialogar ? para que se propõe fazer psicoterapia
? para que deseja curar-se da impotência ? para que recorre a operação
estética ?
9 - É só a totalidade da situação presente
que influencia o acontecer actual e não os factos psicológicos
passados ou futuros. É o aqui-e-agora. JUNG não está
longe deste pensamento. Ninguém se banha dues vezes na mesma áqua.
10 - Autenticidade e transparência do orientador. "Só
na medide em que eu ofereço a realidade autêntica que está
em mim, pode o outro procurar em si, com êxito, a realidade".
É o caso do fabricante-de-chuva chinês, que, ao ser interrogado
pelo êxito conseguido com o seu recolhimento e jejum, respondeu: entrei
em mim próprio e pus-me em ordem; e se eu estou em ordem, também
o mundo à minha volta se deve pôr em ordem, e à seca deve
seguir-se a chuva (de C. G. JUNG, cit. por J. JACOBI).
11 - Aceitação e valorização do outro (do
diente): "quanto mais posso aceitar alguma coisa ou alguém.
tanto mais facilmente consigo uma relação útil".
A pessoa que eu aceito impõe-se-me em todos os seus valores e desvalores;
desmembrá-la em qualidades de opção é tomar abusivamente
a parte pelo todo, é reduzi-la a um conceito irreal, é desagregar-Ihe
a forma. De tal vicioso pensar se denuncia que este ou aquele individuo é
um bom espécimen de sexo ou um apreciável servo de trabalho. Por
tais juizos de valor, um caçador matava ou tentava matar indios nas florestas
do Brasil, liberto de sentimentos de culpa e mesmo estranhando que a lei o incriminasse.
Com tal mentalização floresceu o racismo e os nazis cometeram
um dos mais monstruosos crimes da história da humanidade, matando judeus
e inválidos.
12 - Empatia, que "é a possibilidade que nos assiste
de vermos o outro com os olhos dele; é penetrar simpaticamente
em todos os sentimentos e comunicações do cliente o no seu respectivo
significado de momento".
Neste a-propósito vamos referir muito resumidamente a parábola
taoista citada por METZGER e que lemos em transcrição de WALTER.
Em tempos muito longínquos, no desfiladeiro de Lung-men, havia uma árvore-kiri,
um verdadeiro rei da floresta. Um poderoso feiticeiro conseguiu realizar com
esta árvore uma harpa maravilhosa, cujo indomável espirito só
poderia ser subjugado pelo maior de todos os músicos. Foi guardada pelo
imperador da China no seu tesouro, mas durante muitos anos ninguém conseguiu
tirar dela mais do que sons ásperos de desprezo.
Quando por fim veio Peh Ya, o príncipe dos harpistas, tocou maravilhosamente
e reviveu lendas e tradições. 0 imperador desejou saber do céu
a resposta e uma voz soou: os outros fracassaram porque eles só cantavam
por si mesmos; eu deixei a harpa escolher livremente a sua própria música
e na verdade não sabia se a harpa era Peh Ya ou Peh Ya era a harpa.